terça-feira, 10 de novembro de 2015

A Independência Financeira

Engraçado como pequenas coisas às vezes tem consequências gigantescas pro futuro. Em setembro desse ano, minha vida financeira estava totalmente no piloto automático. Pegava o valor a investir no mês, via qual classe de ativo estava com menor alocação e investia o suado dinheiro lá. Eis que, no dia 9 de setembro, não me lembro mais por qual motivo acessei o blog. Com dezenas de comentários e alguns e-mails aguardando pacientemente minha leniência, eis que um chamou particularmente a minha atenção:

"VR,

parabéns! 
acompanho silenciosamente seu blog desde o início, acho. Me chamou atenção no início que tínhamos objetivos muito parecidos, embora eu seja um pouco mais velho do que vc também mirava a IF aos 42 anos. Se não me falha a memória também tínhamos um valor de aprox R$ 3MM coincidente. Apesar de ter optado por caminhos diferentes seus artigos e racionais me ajudaram muito. Se não para replicar para criticar o que penso/pensava ser o caminho ideal.
Pois bem. Hoje com 40 cheguei nos R$ 3MM almejados e estou reajustando meus objetivos e idade para o grande foda-se. Incrível como até o trabalho melhora quando este já não é mais uma obrigação imprescindível... 
Minha pergunta: Tive uma boa percepção desta crise que se aproximava e estou no momento com praticamente zero exposição em ações e FIIs e com liquidez. Como ainda pretendo me manter na ativa por mais alguns anos não seria um bom momento para um all in em títulos longos (2035 e 2050) atrelados a inflação que agora pagam juros real de 7%aa? Me parece que funciona tanto para carregar e gerar renda quanto para uma possível reverção (sic) de cenário econômico com retomada da queda de juros para níveis civilizados. O que acha?"


Achei que o anônimo tinha se enganado com a taxa do TD, não era possível que a taxa fosse aquela. Quando entrei no site do TD, veio o susto: não só a NTNB2050 estava pagando 7,5% ao ano, o valor do título tinha caído cerca de 10% NO MÊS. Daí os cálculos começaram a se fazer sozinhos na minha mente: "Se o NTNB2050 paga 7,5% a.a. se descontar o IR e a taxa da CBLC de 0,3% dá cerca de 0,5%a.m. Peraí, se eu tenho R$2.4mi a 0,5% dá R$12.000,00 por mês reais líquidos por 35 anos. Eu nem preciso de R$12.000,00 por mês Mas 0,5% a.m. dá uma TSR de 6% a.a. Mas mesmo retirando R$12.000,00 terei o principal corrigido daqui a 35 anos, sem perda do principal. Mas tem o IR sobre a inflação também. Só que eu já terei 65 anos, e terei o principal pra consumir pelos próprios 30 anos. Mas eu nem preciso de R$12.000,00 por mês..."

Daí eu me lembro que tinha escrito alguma coisa sobre estratégia all-in em NTNB. Fui vasculhar o blog e achei meu texto escrito há mais de 6 anos atrás, numa época em que a NTNB pagava IPCA+7,12% (vejam minha inocência com relação à inflação):

"Portanto, se eu tivesse HOJE os 1,5 milhão necessários para me aposentar (meu objetivo são 3 milhões de reais de 2025, que com inflação de 4,29% ao ano equivalem a 1,5 milhão de reais de 2009) investiria 100% em NTNBs com maturação a mais longa possível. Opa, mas peraí... como eu poderia retirar 0,5% ao mês e não apenas 0,33%, o valor necessário cai de 1,5 milhão para 1 milhão! Isso representa uma economia de R$500.000,00 reais de hoje ou R$1.000.000,00 de reais a menos em 2025! Agora entendam por que essa é REALMENTE uma pergunta de um milhão de reais!"

Daí fiquei dias pensando sobre a idéia, os riscos e os benefícios de adotar essa estratégia. Cheguei às seguintes conclusões:

Riscos:

  1. Obviamente, de longe o principal risco é o soberano, ou risco de calote. O governo é deficitário e possui uma relação dívida/PIB de cerca de 70%, bem como a incapacidade atual de fazer superávit primário. O risco é real, apesar dos seguintes fatores: A - O Tesouro Direto atualmente corresponde a 0,7% da dívida pública federal e possui centenas de milhares de investidores. B - Em caso de impressão de moeda, apesar de ser ruim para mim a NTNB é de longe o "menos pior" título a se possuir. Ter ações ou FIIs seria provavelmente pior. C - Em caso de calote, imagino que o governo vá preferir atingir os credores externos. D - Em caso de calote, dificilmente haveria o calote integral do valor investido. E - Em caso de calote, o cenário financeiro brasileiro estaria tão desastroso que apenas investimento em dólar, ouro ou bitcoin se salvaria de uma queda expressiva.
  2. Risco de inflação. Em um cenário hiperinflacionário o rendimento iria basicamente a 0%, mas ainda assim seria o melhor investimento a se possuir já que ações e FIIs certamente teriam rendimentos inferiores pela lentidão dos repasses, particularmente os FIIs com reajustes anuais.
  3. Risco de reinvestimento. Basicamente a NTNB2050 é o título com menor risco de reinvestimento, pois terei mais de 65 anos quando os títulos vencerem. O reinvestimento dos cupons não preocupam já que a idéia é gastar a maior parte dos cupons, daí a preferência da NTNB2050 ao invés da NTNB Principal 2035 (maior risco de reinvestimento e exposição à marcação a mercado quando retirasse o valor necessário).
  4. Concentração. Querendo ou não investir 100% em um único ativo soa mal, ainda mais a diversificação sendo um dos pouquíssimos "almoco grátis" disponíveis. 


Benefícios:

  1. Baixíssimo risco em geral. Qualquer livro de finanças mostra que por definição o ativo com menor risco é o título de renda fixa emitido pelo governo. Empresas podem quebrar, imóveis podem ruir/incendiar, pouco pode acontecer com um título do governo fora o calote e, como já disse acima, em caso de calote basicamente o país terá ido pro saco pois os fundos de renda fixa darão calote, as previdências públicas e privadas darão calote, os bancos quebrarão e com ele boa parte das empresas, inadimplência de aluguéis irá pro céu e preços dos aluguéis cairão vertiginosamente por conta do efeito cascate, enfim um cenário "corram para as colinas" em que num nível mais grave somente o bitcoin sobreviverá.
  2. Alta rentabilidade. Retornos brutos de IPCA+7,X% a.a. são um sonho de consumo para qualquer investidor. O IFIX teve um retorno real bruto de 0% nos últimos 5 anos, O IBOV teve um retorno real bruto de praticamente 0% nos últimos 15 anos. O S&P500 que é uma das bolsas de maior sucesso de todo o planeta teve um retorno real fora custos e impostos de 6,5%a.a. desde 1900.
  3. Despreocupação com reinvestimento. Pelo fato do título maturar apenas em 35 anos, não preciso me preocupar com mudanças nas taxas de juros do período. Selic subiu pra 20%? Os 7,X% reais me satisfazem. Selic caiu pra 7%? Continuo recebendo o mesmo valor de cupom.
  4. Por ser um título de renda fixa, não tenho que me preocupar com vacâncias, preço de aluguel, balanços, prejuízos, emissão de ações, bonificação de ações, chamadas de capital...
  5. Manutenção de portfólio 0. Em decorrência do ponto 4, não tenho balanços a ler, declarações de imposto de renda pra me esquentar, reinvestimentos de cada aluguel/dividendo recebido, nem relatórios de FIIs a analisar. Mais tempo para curtir a vida.
  6. Paz. Esse ponto pra mim é fundamental. Estava me estressando MUITO com as supostas empresas "boas" que caem o LL em 30% em um trimestre e os FIIs "bons" que pegam fogo/aumentam inadimplência/passam anos sem corrigir o aluguel. A idéia de mudar meu portfólio de ações ajudou, mas ficou longe de resolver o problema.
Depois de muito pensar a respeito, resolvi agir. Comecei vendendo aos poucos, meio que querendo respeitar o limite de R$20.000,00 por mês. Aí percebi que nesse ritmo demoraria quase 7 anos pra vender tudo. Meu emocional ficou em frangalhos, vender ações e FIIs que possuía há vários anos foi algo muito difícil pra mim, um sentimento de derrota, de falha, de que errei. No entanto, comprar os títulos com taxas tão atrativas aliviou um pouco a situação.

Semana passada eu concluí a mudança e vendi todas as ações e FIIs que possuía, investindo cerca de R$1.600.000,00 em NTNB2050 (pela queda nas taxas hoje já é ~R$1.720.000,00), que me fornecerão uma renda passiva líquida e real de R$7.600,00 até 2050. Além disso, ainda possuo cerca de R$850.000,00 em CDBs, LCs e LCIs rendendo líquido entre 13 e 18% a.a. com vencimento entre 2016 e 2020. Com o vencimento desses títulos pretendo reinvestí-los também nas NTNBs. Se estivesse tudo em NTNBs hoje teria uma renda de R$11.300,00 aproximadamente. Além disso ainda possuo alguns bitcoins, um dinheiro reservado para os gastos na mudança e outro em empréstimos para conhecidos, que totalizam cerca de R$140.000,00.

Acontece que hoje minhas despesas são de R$1.500,00-R$2.000,00 por mês, mas quando me mudar para o meu canto (o que acontecerá ano que vem) pelas minhas estimativas esse valor subirá para R$6.000,00 por mês, vivendo bem no mesmo padrão que vivo hoje. É fácil ter um padrão de vida alto com valores modestos quando não se tem aluguel, financiamento de imóvel, mensalidade de filho, financiamento de carro ou pensão para pagar. Mesmo se eu quiser ter uma vida de rei (gasto maior com supermercado comprando frescuras, plano top de celular, sair 4x na semana, 2-3 viagens internacionais por ano, maior gasto com supérfluos diversos) esse valor não passa de R$8.000,00 por mês. Estou me lixando pra carros de luxo trocados a cada dois anos, imóveis gigantescos e uma vida de ostentação (low profile 4 life), eu quero é tempo, saúde e paz. Ainda assim, é um padrão de vida comparável a alguém que ganha uns R$20.000,00 por mês brutos mas precisa pagar IR/previdência e tem parcela de apartamento e/ou filhos.

Não posso deixar de pensar, portanto, que hoje eu estou praticamente ou totalmente financeiramente independente, já que os rendimentos reais (descontada a inflação) superam com uma boa folga meus gastos mensais. Retirando R$6.000,00 minha TSR é de 2,8% e retirando R$8.000,00 é de 3,7%, isso investindo em ativos que rendem líquido e sem risco 5,5%a.a. Estou aguardando me mudar pra ver na prática como serão os gastos, mas como já tive experiência de morar longe dos pais creio que não será nada muito diferente do que planejei.

Isso não significa que não irei investir mais em FIIs ou ações, mas no curto prazo realmente devo concentrar nas NTNBs, salvo alguma quebra abrupta da taxa, o que considero altamente improvável de acontecer.

Meu olhar, pra variar, volta-se agora para o futuro. O lugar onde trabalho foi atingido em cheio pelo crise, mas ainda se consegue lucrar. No entanto, não tenho planos imediatos de parar de trabalhar, até porque é tudo muito recente. A sensação é de dever cumprido, de que meu aspecto financeiro está basicamente resolvido e que eu posso finalmente aproveitar a vida de forma mais relaxada e despreocupada. Cuidar melhor do corpo (alguém lembra do viver de saúde?), aprender coisas novas, tirar umas férias das finanças.

Eu sempre fico muito feliz quando recebo um comentário ou e-mail de algum leitor dizendo que o meu blog o ajudou de alguma forma. Hoje sou eu quem agradeço por ter cada um de vocês nesses mais de 6 anos de investimento. Vocês não só me estimularam como me ajudaram a definir minha forma de investir.

A todos vocês, muito obrigado.